sábado, 28 de abril de 2012

Complexo de Vira-Lata


Há algum tempo venho pensando na relação dos brasileiros com o mundo e vice-versa. São muitos os fatores que envolvem esse diálogo cultural o que amplia exponencialmente o leque de possíveis soluções, tornando extremamente amplo e subjetivo. Mas ao mesmo tempo são relações que nos rodeiam o tempo todo, tanto para aqueles que vivem no Brasil como para aqueles que vivem no exterior. Um fato ocorrido essa semana me chamou particularmente mais a atenção.

A academia que frequento aqui em Dublin é conhecida por ter muitos brasileiros. Talvez por causa do preço, da proximidade ou pela propaganda boca a boca. Não é nada difícil ouvir alguém falando português nos vestiários. Para muitas pessoas isso deveria significar alguma coisa boa, uma união, um sentimento familiar, mas muitas vezes não é isso o que acontece. A maioria dos brasileiros prefere não ser reconhecida como tal. Essa semana um brasileiro fingiu não falar português para que as pessoas não desconfiassem que ele é estrangeiro. É como se por dentro ele estivesse pensando assim: “sou brasileiro, mas ninguém precisa ficar sabendo”.

Uma vez que uma pessoa se muda para algum outro país seu principal objetivo é se camuflar, adentrar naquela nova realidade. O que é extremamente saudável. O problema é que para isso alguns brasileiros radicais acham necessário se tingirem e adotarem o sangue estrangeiro por completo. Essa mudança às vezes é tão profunda que eles já não se enxergam como aquele antigo brasileiro, mas sim como uma versão melhorada. Uma vez concluída essa “miscigenação psicológica”, os “novos brasileiros” começam a adotar políticas de anti-brasileirismo, por acreditarem que a cultura estrangeira é a ideal, como modelo a ser seguido. É quase um fenômeno de autoxenofobia, onde não há apenas desvalorização da sua própria origem, mas também a discriminação da mesma.

Seria esse um medo de se sentir desvalorizado ou ridicularizado por vir de um país diferente?

Para entender isso, talvez seja preciso voltar nos anos 50, quando o dramaturgo Nelson Rodrigues criou a expressão “Complexo do Vira-Lata” para o trauma brasileiro sofrido na final da Copa do Mundo de 1950, em pleno Maracanã. “Por 'complexo de vira-lata' entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”, declarou Rodrigues.

São muitas as possíveis justificativas para o “complexo de vira-lata” brasileiro. No campo científico, talvez por o Brasil nunca ter ganhado um prêmio Nobel; geograficamente, os brasileiros sofreriam com o clima quente e úmido que predisporia os habitantes à preguiça e luxúria; historicamente, pela miscigenação racial que o país sofreu durante a época da colonização e imigração europeia, o que muitas acreditam ter prejudicado o desenvolvimento e a imagem do Brasil como país civilizado.

Então ser brasileiro é motivo de vergonha? Eu me tornaria uma pessoa mais interessante se dissesse que sou francês, por exemplo?

Se o brasileiro ainda sofre com o Complexo de Vira Lata eu não posso afirmar. Mas não deixa de ser pertinente a ideia de que a maioria dos brasileiros possui um olhar encantado por aquilo que é estrangeiro e continua a depreciar deliberadamente o que é nacional. Por mais que existam brasileiros ufanistas morando no exterior, em algum momento essa depreciação vem à tona, seja para falar de política, futebol ou música. Não vou ousar me abster de estar nessa categoria porque a arte de depreciar, criticar e reclamar é inerente ao brasileiro, mas acredito que essa seja uma característica que não temos que nos orgulhar.

Querer ou não ser reconhecido como brasileiro no exterior é só um pequeno exemplo frente a um problema que é muito maior. O objetivo desse texto não é estampar bandeiras do Brasil nas janelas, nem incentivar os brasileiros a saírem com pandeiros e cantando samba nas ruas. A construção do homem parte de uma origem, a qual não deve ser escondida, mas sim desenvolvida. Fingir ser outra pessoa só sustenta os problemas enfrentados desde para ser aceito socialmente. Quando você precisa daquele tênis porque todo mundo tem ou quando você precisa beijar aquela garota (o) porque estão todos os amigos olhando. O Complexo de Vira Lata, de Nelson Rodrigues, não é um problema do Brasil, mas sim um problema dos brasileiros. Passam-se os anos e o grande problema da humanidade continua o mesmo: a AUTOESTIMA.

6 comentários:

  1. Até que vc escreve direitinho. rs. Bom texto. Máximo.

    ResponderExcluir
  2. È mais ou menos isso mesmo.

    ResponderExcluir
  3. Fato interessante este que voce presenciou na academia, texto muito bem elaborado(parabens) mas este incidente isolado nao pode ser levado muito a serio out ate mesmo digno de muita discussao.

    O ser humano tem fases e estas precisam ser respeitadas, independentemente da Nacionalidade do individuo, temos altas e baixas. Orgulho e vergonha(normal).

    Vamos pensar um pouco mais no nosso crescimento pessoal, e deixar um pouco de lado aqueles individuos que ainda estao para se descobrir ;).

    ResponderExcluir
  4. Adilson, gostei muito do seu texto. Eu acho que essa admiração pelos estrangeiros nos herdamos de nossos antepassados indios na descoberta do Brasil, e concordo que nós deveriamos ter mais orgulho de ser Brasileiros não apenas na Copa do mundo.
    Abraços!
    Marcos Telles

    ResponderExcluir
  5. Adilson,adorei o texto!!Acredito que seja uma questão de auto-estima ou até um instinto de auto-defesa.Em 2005 na praia de Copacabana, estávamos ao lado de um grupo de argentinos que usavam uma técnica de conversar de tras para frente- uma precaução para que não fossem descobertos- onde mostravam a preocupação de serem descobertos, por isto se faziam passar por venezuelanos, talvez para que não fossem tratados com descaso ou deboche.
    Adoro seus textos!!
    Um abraço
    Teresa

    ResponderExcluir