sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

No murmurinho do cinema


Incrível os diversos mecanismos que o ser humano tem de se esquivar de situações embaraçosas. Algumas pessoas ficam vermelhas, outras olham timidamente para baixo e outras esboçam pequenos sorrisos nervosos. O desconforto é um estado de inquietação quando alguém se depara com uma situação incomum, imprópria ou desconhecida.
Durante uma sessão do filme “A Pele que Habito”, no Shopping Leblon, do Rio de Janeiro, aconteceu um fato bastante curioso. A obra de Pedro Almodóvar, renomado cineasta espanhol, conhecido por retratar o drama em roteiros densos e imprevisíveis, foi recebida com risos e comentários capciosos. Durante uma cena de estupro, em meios aos gritos desesperados da atriz, muitas pessoas estavam rindo da situação. É como se elas estivessem esquecido completamente a barbárie que estava sendo retratada. Comecei a pensar que talvez eu não estivesse entendendo realmente o que aquela cena queria passar. Será que as pessoas estavam realmente achando graça ou estavam apenas constrangidas?
O constrangimento frente ao estranho, diferente, bizarro, é uma reação normal. Vivenciamos essa realidade diariamente quando deparamos com situações em que o desconhecido, o incomum, nos é apresentado. O riso ouvido na sala de cinema foi apenas uma forma de demonstrar uma inquietação.
O riso como camuflagem para situações embaraçosas pode se tornar uma arma perigosa quando o constrangimento se torna uma motivação para o ataque. A piada vem geralmente acompanhada do escárnio, que procura enaltecer negativamente características físicas ou psicológicas do outro. As pessoas acabam se apegando a pequenos detalhes alheios para fugir daquele momento constrangedor. O uso do escárnio e da depreciação a uma pessoa ou produto pode significar uma atitude, muitas vezes, discriminatória e remete a uma postura que transcende as salas de cinema e atinge a sociedade. A intolerância com alguma determinada situação ou comportamento é tão grande que a única solução encontrada é rir, debochar, agredir ou destruir, tudo para deixar o desconforto menos desconfortável.
O modo de se expressar frente a uma realidade é algo livre e individual, tanto para o espectador no cinema quanto para o homem na sociedade. Talvez o risinho seja usado como válvula de escape por uma sociedade que experimenta algum tipo de repressão ou conservadorismo sexual. Ou por aqueles que apenas não se sentem a vontade frente àquilo que lhe está sendo oferecido. Porém, o constrangimento pode ser também apenas uma preguiça de pensar. Observar o mundo como algo muito maior e diverso do que está a sua volta pode ser uma tarefa muito cansativa e até assustadora. Conhecer o diferente pode ser uma saída interessante para evitar situações que antes seriam embaraçosas. Só conhecendo aquilo que é diferente é possível disseminar o respeito e combater preconceitos. 

Twitter: @_falajose

2 comentários:

  1. Eu vejo um limite entre o riso constrangido (nem todo mundo lida bem com esse tipo de cena, por exemplo)e quando extrapola para a discriminação... O primeiro, compreensível.

    O segundo, deve ser coibido!

    Amei seu texto! <3

    Vou voltar sempre!

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  2. FALOU O JOSÉ, e disse tudo...muito interessante tratar disso. Vivenciei algo bem semelhante assistindo ao filme CAVALO DE GUERRA, quando as pessoas riam em cenas pesadas. É o riso sim uma válvula de escape, de fuga, para não ter que lidar com a situação, demonstrar socialmente que nem mesmo acredita no que vê, mas no fundo o incômodo é outro. Escapa-se com o riso do salutar contato com outra realidade/situação, evitando-se mesmo racionalizar o fato!
    Depois vou te colocar na minha lista de blogs aqui, há tempos não publico, mas já já surge algo =P
    www.dooutroladodeca.blogspot.com
    Abração!

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